Marlene Constantino

Cada pedacinhos de sonhos guardados, quando tocados renascem, voam como borboletas

Meu Diário
08/12/2019 18h42
SAUDADE

 


Magoa-me a saudade
do sobressalto dos corpos
ferindo-se de ternura
dói-me a distante lembrança
do teu vestido
caindo aos nossos pés

Magoa-me a saudade
do tempo em que te habitava
como o sal ocupa o mar
como a luz recolhendo-se
nas pupilas desatentas

Seja eu de novo a tua sombra, teu desejo,
tua noite sem remédio
tua virtude, tua carência
eu
que longe de ti sou fraco
eu
que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota trémula, raiz exposta

Traz
de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim
os animais que atormentam o meu sono

 

Mia Couto -  In 'Raiz de Orvalho'


Publicado por Marlene Constantino em 08/12/2019 às 18h42
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